FSP 04/03/2009
Por: Judith Brito
A LIBERDADE de expressão, de informar e de opinar sem controles nem
tutelas é um princípio maior da convivência democrática. Por isso
foi tão festejada a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2008 de
suspender grande parte da Lei de Imprensa instituída em 1967, no regime
militar. Trata-se de legislação típica da ditadura, que vem resistindo
como um zumbi à Constituição de 1988 - embora, felizmente, suas piores
determinações já sejam praticamente letra morta.
O que se coloca agora, com a possibilidade de o STF em breve revogar
definitivamente essa lei, no todo ou em grande parte, é como a sociedade
brasileira tratará a questão da liberdade de imprensa. Há quem considere
desnecessária legislação específica para punir eventuais excessos
cometidos no jornalismo.
Bastariam os dispositivos legais penais e civis já aplicáveis a todos
os cidadãos. Ocorre que a imprensa - ou a mídia, num sentido mais
amplo - é uma instância diferenciada do espaço público da troca de
ideias e informações que caracteriza as democracias. Daí a posição
da Associação Nacional de Jornais de considerar adequada uma legislação
mínima para o livre exercício do jornalismo.
A ANJ parte do princípio de que a liberdade de imprensa é um direito
social, geral, de todos os cidadãos. Jornais e outros meios de comunicação
são canais pelos quais a sociedade se expressa e se comunica. Portanto,
não é dos meios de comunicação o direito de livremente informar e
de ser informado. É de todos, é do conjunto de uma sociedade democrática,
e por isso um bem maior que não deve ser limitado, como define a Constituição.
A esse direito geral se contrapõem os direitos individuais, igualmente
importantes, como os de quem se sente ofendido por aquilo que veiculam
os meios de comunicação. Nada mais natural que haja algum tipo de
regulamentação clara e eficaz para o exercício desses direitos. O
jornalismo deve ser exercido com responsabilidade. O essencial é que,
em nenhuma hipótese, essa regulamentação signifique cerceamento ou
ameaça à liberdade de expressão.
Essa regulamentação deve ser mínima e de natureza instrumental, com
o objetivo de regular os direitos individuais que se contrapõem à
liberdade de expressão. Deve limitar-se ao essencial, mas ser categórica,
no sentido de impedir as frequentes sentenças judiciais que nos últimos
anos vêm significando, na prática, a censura prévia, numa negação
absurda à Constituição. Devemos comemorar que exista liberdade de
imprensa no Brasil, mas ela precisa valer em toda instância, do Oiapoque
ao Chuí.
Há três aspectos relacionados ao exercício do jornalismo que cabem
nessa legislação. O primeiro é o direito de resposta, que deve ser
o principal instrumento de correção de erros cometidos pela mídia.
É preciso que se regulamente com clareza esse direito, dentro de limites
sensatos, sem que ocorram absurdas sentenças judiciais de publicação
nos jornais ou leitura em rádio e em televisão de laudas infindáveis,
às quais, na prática, o público não dá atenção - frustrando o próprio
objetivo da reparação. O segundo aspecto refere-se às indenizações
por danos morais, que precisam com urgência de regulamentação equilibrada,
de modo a não permitir a continuidade da chamada "indústria do
dano moral" - a busca desenfreada, amparada por alguns juízes,
de enriquecer por meio de um recurso que visa a fazer justiça.
Valores abusivos penalizam os jornais ou os veículos menores, com
pouca capacidade financeira para a defesa. O terceiro aspecto dessa
legislação mínima diz respeito ao registro das empresas jornalísticas,
dentro do que dispõe a Constituição na questão da participação do
capital estrangeiro. Multinacionais que atuam com infraestrutura e
internet ou em outras áreas, algumas sob controle estrangeiro, divulgam
conteúdo jornalístico à margem dos limites definidos pela Constituição.
É aspecto complexo, próprio da modernidade, mas que deve ser enfrentado
com coragem.
Há muito tempo tramita no Congresso um projeto de lei, de autoria
do ex-deputado Vilmar Rocha, que poderia muito bem ser o ponto de
partida para essa legislação mínima para o exercício do jornalismo.
É fundamental, depois do balizamento que o STF dará sobre a questão,
que o Congresso delibere rapidamente sobre esse tema, de modo a não
termos um vácuo legislativo - que poderá abrir caminho para decisões
judiciais contrárias ao princípio fundamental da liberdade de expressão.
A velha Lei de Imprensa do regime autoritário já vai tarde. Que venha
em seu lugar uma legislação mínima, que assegure os direitos individuais,
mas que seja, antes de tudo, garantidora do livre exercício do jornalismo,
em todos os cantos do país. Que venha a Lei de Liberdade de Imprensa.